Livro no Ponto
Efeitos Colaterais
A expressão "Efeitos Colaterais" em geral sugere coisas ruins, não desejadas, que infelizmente podem surgir quando se busca o tratamento de doenças.
Este não é o caso aqui. Ao contrário, é possível que os efeitos colaterais do LIVRO NO PONTO sejam mais benéficos à comunidade do que o próprio objetivo principal do Projeto de colocar livros à disposição do público.
Há três efeitos colaterais do LIVRO NO PONTO:
1) Servir como uma referência concreta ao compartilhamento de recursos e à confiança nas pessoas.
A mera presença do expositor do LIVRO NO PONTO indica que este é um local em que as pessoas são gentis. Sabe a "Teoria das Janelas Quebradas" (Broken Windows Theory) ? Pois o PONTO DO LIVRO funciona de forma exatamente oposta. Primeiro vamos entender que Teoria é esta.
Há alguns anos, a Universidade de Stanford (EUA), realizou uma interessante experiência de psicologia social. Deixou dois carros idênticos, da mesma marca, modelo e cor, abandonados na rua. Um no Bronx, zona pobre e conflituosa de Nova York e o outro em Palo Alto, zona rica e tranquila da Califórnia. Dois carros idênticos abandonados, dois bairros com populações muito diferentes e uma equipe de especialistas em psicologia social estudando as condutas das pessoas em cada local.
Resultado: o carro abandonado no Bronx começou a ser vandalizado em poucas horas. As rodas foram roubadas, depois o motor, os espelhos, o rádio, etc. Levaram tudo o que fosse aproveitável e aquilo que não puderam levar, destruíram. Contrariamente, o carro abandonado em Palo Alto manteve-se intacto.
A experiência não terminou aí. Quando o carro abandonado no Bronx já estava desfeito e o de Palo Alto estava há uma semana impecável, os pesquisadores quebraram um vidro do automóvel de Palo Alto. Resultado: logo a seguir foi desencadeado o mesmo processo ocorrido no Bronx. Roubo, violência e vandalismo reduziram o veículo à mesma situação daquele deixado no bairro pobre. Por que o vidro quebrado na viatura abandonada num bairro supostamente seguro foi capaz de desencadear todo um processo delituoso? Evidentemente, não foi devido à pobreza. Trata-se de algo que tem a ver com a psicologia humana e com as relações sociais.
Um vidro quebrado numa viatura abandonada transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de despreocupação. Faz quebrar os códigos de convivência, faz supor que a lei encontra-se ausente, que naquele lugar não existem normas ou regras. Um vidro quebrado induz ao "vale-tudo". Cada novo ataque depredador reafirma e multiplica essa ideia, até que a escalada de atos cada vez piores torna-se incontrolável, desembocando numa violência irracional.
A Teoria das Janelas Quebradas considera que o delito é maior nas zonas onde o descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maiores. Se por alguma razão racha o vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente estarão quebrados todos os demais. Se uma comunidade exibe sinais de deterioração, e esse fato parece não importar a ninguém, isso fatalmente será fator de geração de delitos. (Fonte: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/janelas-quebradas-uma-teoria-do-crime-que-merece-reflexao/146770896)
O LIVRO NO PONTO funciona exatamente ao contrário do carro com o vidro quebrado, pois é uma demonstração de civilidade e de cortesia para com o próximo. O LIVRO NO PONTO é como uma afirmação de que as pessoas se importam umas com as outras e que respeitam iniciativas que geram benefícios mútuos. É como um jardim bem cuidado em praça pública ou um muro branco bem pintado, sem pichações. O LIVRO NO PONTO é como um placa em que se lê: "Aqui as pessoas são legais."
2) Provocar o efeito Lincoln - Stanton
É um efeito maravilhoso, mas pouco conhecido. Vamos explicá-lo aqui, afinal o LIVRO NO PONTO é cultura !
Abraham Lincoln, o famoso Presidente dos EUA, era, em 1855, um jovem advogado e político iniciante. Edwin Stanton era um velho e rico advogado renomado. Por diferenças políticas eles se tornaram rivais e a relação entre ambos ficou bem azeda. Lincoln, entretanto, admirava Stanton e resolveu tentar algo para promover uma aproximação. Tomou então uma iniciativa surpreendente: pediu um livro emprestado a Stanton, o qual se orgulhava de sua vasta biblioteca pessoal. Stanton, que tinha um temperamento áspero e que já havia ofendido Lincoln publicamente várias vezes, ficou perplexo com esse pedido, mas emprestou o livro a Lincoln. Consta que este episódio mudou a relação entre os dois. O que aconteceu é que ao emprestar o livro a Lincoln, Stanton agiu como se Lincoln fosse um amigo, um parceiro. Isto resultou na mudança da forma como Stanton via Lincoln: "Ele não pode ser meu adversário, afinal até empresto livro para ele..." Lincoln e Stanton se tornaram mais tarde muito amigos e a colaboração construtiva entre os dois se tornou um marco na história dos EUA. Ah, sim, Lincoln devolveu o livro depois. 😃
O efeito Lincoln-Stanton pode então ser enunciado assim: Quando você faz algo de bom para uma pessoa ou uma comunidade (e não importa por que o fez), você passa a se considerar amigo dessa pessoa ou dessa comunidade. O fato de você ter agido de forma amigável (novamente, não importa por que razão) pode mudar sua própria percepção sobre si mesmo.
E o que tem isto a ver com o LIVRO NO PONTO ? É que quando a gente doa um livro para a comunidade, a gente passa a se sentir mais amigo, mais integrado nessa comunidade. Doar um livro não requer muito sacrifício, todos nós temos bons livros em casa que, sabemos, nunca mais serão relidos por nós. Então a doação de livros se transforma em um encanto que torna as pessoas mais solidárias.
3) Incentivar iniciativas mais poderosas.
Ainda que bem intencionada, a proposta do LIVRO NO PONTO é limitada. Vamos aumentar o número de pontos de ônibus com livros, vamos aumentar o número de pessoas diretamente envolvidas no projeto, mas é provável que não consigamos chegar a uma dimensão que provoque grande impacto na população da Cidade do Rio de Janeiro. E é aí que entra o efeito colateral do bem: mesmo que o LIVRO NO PONTO não consiga atingir mais que uma dúzia de pontos de ônibus, o seu exemplo pode inspirar iniciativas mais poderosas.
Por exemplo: E se houvesse estantes de livros no modelo do LIVRO NO PONTO nas principais estações de metrô ? E em redes de farmácias ? E em instalações do SUS ? E em quiosques em praças públicas ?
O LIVRO NO PONTO, ao demonstrar a viabilidade de um sistema de troca de livros sem barreiras e sem custos para usuários, pode dar origem à criação de iniciativas de grande impacto !